Page 100 - Fios do tempo
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Paraty ( Quilombo do Campinho ) , 5 de setembro de 2025 ,

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                       Me chamo Marcelina Kasomo, sou negra, tenho 18 anos e moro no Quilombo
               do Campinho em Paraty, onde você morou há muitos anos.   Sou do século XXI e
               você do XVIII. Fico querendo saber:   Qual a sua idade?   Tem uma família? Quais
               são os seus sonhos para o futuro?
                       Bom,  eu  tenho  uma  irmã  chamada  Luiza  Kasomo  e  uma  avó,  Ramona
               Kasomo.  Trabalhamos  na  confecção de objetos artesanais, na colheita e também
               dançamos de montão, somos muito FELIZES. Onde eu moro tem muita vegetação,
               várias casas, algumas modernas e outras mais antigas e lá é como se fosse uma
               cidade: tem uma escola, uma unidade de saúde, tem até um restaurante, que é uma
               fonte  de  lucro  para  a  nossa  comunidade,  pois  recebemos  turistas.  A  loja  de
               artesanato também contribui para a nossa renda. Temos uma vegetação linda que
               eu amo e os animais também são incríveis.
                       Agora, vou falar de como lhe conheci. Certa noite, estava dormindo com uma
               boneca que minha avó me deu e, de repente, ela começou a fazer um barulho ¨PI PI
               PI…¨, e aí, de repente, fui para onde você mora, durante o século XVIII, no período
               colonial, quando os portugueses colonizaram as terras em que moramos. Sei disso
               porque minha avó me contava histórias desses dias horríveis e aprendi nas minhas
               aulas  de  história. Aprendi, por exemplo, que as mulheres como vocês sofreram e
               que os portugueses pegaram africanos e trouxeram para a colônia portuguesa, que
               hoje  é  independente  e  chama  Brasil.  Vocês  eram  maltratados,  assim  como  os
               indígenas da região.
                       Falando de FELICIDADE, quando lhe conheci você não parecia feliz! Quem
               eram aquelas pessoas ao seu redor ? Porque você estava tão machucada, tanto por
               dentro  quanto  por  fora?  Você  era  uma  das  mulheres  escravizadas?  Pelo que eu
               entendi  você  era,  né?  Quando  fui  para  esse  lugar,  você  não  me  viu,  pois  fiquei
               invisível.  Mas  eu  lhe  vi.  Você  não  ficou  invisível  aos  meus  olhos.  E  quanto  lhe
               admirei, Nala!
                       Minha  avó  também  me  contava  histórias  falando  do  que  as  mulheres
               escravizadas  sofriam,  como  exploração  sexual,  além  de  violência  física  e verbal.
               Eram obrigadas a cuidarem dos filhos de suas amas, cuidar da faxina e cozinha. Eu
               vi tudo isso acontecer com você.
                       Percebi  também  que  seu  dono,  mesmo  sendo  casado,  fazia  exploração
               sexual com você, por isso sua senhora, esposa de seu senhor,  tinha muita raiva de
               você. Ela machucava você por causa disso. Não havia como mudar a situação, pois
               tinha que obedecer seu marido, porque ainda era uma sociedade patriarcal, na qual
               os homens que comandavam a família e a vida social.
                       Vi  que  você  sofria  violência  verbal  e física, falavam para você: ¨serviço de
               preto¨,  ¨cabelo  ruim¨.  Que  horrível!  Como  você  aceita  isso!  Esses  insultos  são
               tenebrosos! Quanta violência!




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