Page 99 - Fios do tempo
P. 99

Nala Akello (escravizada do século XVIII)

                   Oi, meu nome é Nala Akello, tenho dezoito anos e nasci em vinte de fevereiro de
               1701. Eu me acho bonita, negra, com os cabelos raspados, me sinto triste, porém
               forte o tempo todo.
                       Sofro  muito  por  ser  considerada como uma mercadoria pelos portugueses.
               Fui comprada como um objeto por meu dono, que se chama Afonso Ferreira e tem
               quarenta e nove anos. Trabalho nos serviços domésticos.
                       Fui trazida de Angola e, dentro da grande embarcação que cruzou o oceano
               Atlântico,  fiquei  espremida,  sem  privacidade.  Lá,  não  tinha  boas  condições  de
               higiene e vi muitas pessoas mortas. Foi por pouco que não morri também. Não me
               alimentava direito.
                        Na casa de meu senhor, eu trabalho dia e noite cozinhando, limpando a casa
               e  outras  coisas do tipo. Qualquer coisa que eu faço minimamente errada, eu sou
               espancada.  Sofro  muito,  muito mesmo, eu tenho que fazer tudo o que meu dono
               manda. Eu não durmo direito e só como as sobras de alimentos. As roupas que eu
               uso são velhas.
                       Eu e minhas colegas fazemos tranças em nossos cabelos, para ter um mapa
               de rota de fuga para o quilombo, um símbolo de identidade tribal, que também traz
               memórias de nossos ancestrais.
                       Eu me sinto muito mal. Por que sou considerada inferior aos demais apenas
               por ser negra? Por que não posso ter minha liberdade? Essas perguntas ficam em
               minha cabeça o dia todo.
                       O tipo de agressão que eu mais odeio é a sexual, pois parece que só porque
               eu sou negra eu não tenho o direito ao meu próprio corpo, mas não posso reclamar
               de nada. Caso contrário, sou espancada.
                        Um grande símbolo africano que eu e minhas colegas usamos são nossos
               turbantes e lenços, eu amo usá-los,   uma vez que mostra a minha identidade. Eu
               gostaria  que  meu  cotidiano  mudasse,  pois  eu  sofro  muito  aqui  e  quero  ser  livre
               algum dia. Eu quero ter a minha casa e viver sem preconceitos. Qual é o problema
               de ser negra? Sou um ser humano como qualquer outro.
                       Eu  também  me  sinto  como  uma  pessoa  invisível,  eu  só  sou  mais  uma
               escravizada na sociedade e ninguém consegue ver a minha história, eu tenho uma
               vida  que  ninguém  vê.  Procuro  conservar  minhas  tradições  em  minha  memória,
               pois não posso, no cotidiano, ter práticas da minha cultura. Fui obrigada a aceitar
               completamente o catolicismo pelo simples fato de que os portugueses acham que a
               única religião certa é a deles.
                       Meu sonho é ser livre. Um dia conseguirei realizar meu sonho.

               Isabela Menon, Júlia Peron,Laura Cella Calil, Luisa Flores e Manuela Maria Pechiaia




                                                                                                        99
   94   95   96   97   98   99   100   101   102   103   104