Page 98 - Fios do tempo
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Marcelina Kazomo (quilombola atual)

                       Olá,  me  chamo  Marcelina  Kazona  e  tenho  18  anos,  moro  em  uma  casa
               simples no Quilombo do Campinho, em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Minha
               casa é feita de taipa de pilão. Quando eu era pequena, minha avó contava histórias
               de  como  os  nossos  ancestrais  africanos  sofreram  com  a  colonização  dos
               portugueses, por isso, me interessei tanto pelo assunto.
                       Eu moro com minha irmã Luísa Casona, de doze anos, minha avó Ramona
               Kassoma e meu amigo Kigua Tchokwe, de dezenove anos. Na verdade, somos uma
               comunidade e, então, moro com todos que vivem nela.
                       Sou  negra com os cabelos crespos e olhos castanhos, eu me acho bonita,
               simpática,  feliz,  sincera  e  acolhedora.  Quando  vejo  alguém  sofrendo  por
               desigualdade racial, fico irritada e procuro interferir na situação, de modo a ajudar a
               vítima.
                       Quanto  à  minha  religião,  sigo  a  tradição  de  matriz  africana,  buscando
               perpetuar as raízes culturais de meu povo.  Lá no Quilombo do Campinho, eu danço
               jongo e faço todos os rituais coletivos. O quilombo é como se fosse uma cidade, tem
               escola,  hospital  e  restaurante.  TUDO  DE  BOM!! Porém, tem muitas pessoas que
               querem as nossas terras para explorá-las e não querem nos deixar morar onde é
               nosso  por  direito.  Eu  amo  viver  aqui.  Mas  eu  penso  todos  os  dias  em  meus
               ancestrais que sofreram com os males da escravidão.
                       Penso  nisso,  porque  o  quilombo  foi  criado  por  três  mulheres  negras  que
               vivenciaram o que era ser escravizado. São elas: a vó Tunica, a tia Marcelina (assim
               como o meu nome) e a tia Maria Luisa.
                       Amo a história do nosso quilombo, pois foram três MULHERES   NEGRAS
               que  o  fundaram  e,  a  partir  daí,  a  comunidade  passou  a  ser  matriarcal,  ou  seja,
               liderada por mulheres. Como também sou uma mulher negra, essa história me toca
               profundamente, pois é como se fios do tempo me ligassem a elas.
                       Minha vida é marcada por um forte senso coletivo e sempre procuro ajudar
               quem precisa. Criamos redes de apoio para defender os nossos direitos  e promover
               saberes ancestrais.
                       Por volta dos quatro anos de idade, minha avó me deu uma linda boneca de
               pano, com um vestido rosa claro cheio de bolinhas roxas e cabelo parecido com o
               meu. A cor de pele também era igual a minha. Minha vó fez a boneca. As costuras
               dela eram lindas, sendo feitas com muito capricho. Amo essa boneca, pois é uma
               das únicas memórias que eu tenho da minha avó.
                       Até hoje, eu tenho a boneca, mas ela está com alguns furos. O vestido teve
               que ser remendado. De resto, ela ainda está do mesmo jeito de quando a recebi das
               mãos da minha avó.

               Isabela Menon, Júlia Peron,Laura Cella Calil, Luisa Flores e Manuela Maria Pechiaia



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