Page 93 - Fios do tempo
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Vitória Okoro (quilombola atual)
Meu nome é Vitória Okoro. Moro no Quilombo do Campinho, Paraty, no
estado do Rio de Janeiro. Minha casa é bem simples com tijolos expostos, o que é
muito comum aqui, pois a comunidade não tem muito dinheiro para ficar comprando
materiais de revestimento para paredes. Tem cortinas com estampa de flores. Gosto
delas, pois me lembra a natureza, sua beleza e suas árvores protetoras e sagradas.
Temos uma televisão velha, que só transmite um canal. Fora isso, não há nada de
especial em minha casa. Gosto da minha casa e a considero muito bonita.
Estamos enfrentando problemas, pois moramos num quilombo distante do
centro da cidade e o sistema de transporte não é bom e, assim, fica difícil
trabalharmos fora do quilombo. Nossa escola também não tem espaço para todas
as crianças estudarem. Também não temos atendimento médico rápido, dentro do
quilombo, em caso de problemas graves de saúde.
Eu fico desconfortável com a presença das pessoas brancas. Algumas delas
são legais, outras me ofendem me chamando de: macaca, preta ,”vai se lavar”,
suja, filha da noite, e outros apelidos pesados. Fico magoada. Chego a odiar minha
aparência e o lugar que nasci, mas, depois, me acalmo na floresta, reencontrando
os laços com a ancestralidade de meu povo.
Minha mãe é uma griô, ou seja, ela trabalha levando a nossa cultura a
estudantes, deixando a cultura viva por meio da oralidade. Tenho muito orgulho
dela.
Quando fico irritada, vou até a floresta para me acalmar. Adoro os barulhos,
os sons, o cheiro e a tranquilidade. Lá, escrevo poemas, mesmo sendo péssima
nisso, mas, mesmo assim, me divirto, treino danças que aprendo na escola, para, às
vezes, ensiná-las aos brancos. Quero, no futuro, virar uma dançarina ou uma
vereadora, como minha tia, para pensar em leis para ajudar as comunidades
quilombolas e, principalmente, as mulheres negras. Quero dar orgulho à minha mãe,
que luta para que nossa cultura continue viva.
Eu não tenho muitos problemas na escola. Gosto das aulas. Meu único
problema é alguns dos “ visitantes” brancos que ficam cochichando as “piadas” que
falei anteriormente. Isso acontece com frequência. Fico surpresa que ninguém tenha
percebido. Eu já falei isso para minha mãe e ela disse que ficará mais atenta, pois é
comprometida com os assuntos que envolvem atos racistas.
Meu pai está tentando ser vereador e, por isso, nesses dias, está ausente.
Meu irmão está desempregado e parece que está se envolvendo com o uso de
drogas. Meus pais já tomaram providências e ele está em tratamento.
Minha mãe, meu pai e meu irmão seguem a religiosidade de matriz africana
com muito fervor. Eu não decidi ainda se vou adotá-la, pois, se ela fosse eficiente,
não teríamos que enfrentar o racismo. Mas, às vezes, sinto-me conectada com
nossa força ancestral quando danço na mata. É difícil de explicar o que sinto e é por
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