Page 109 - Fios do tempo
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Dandara Esperança (quilombola atual)
O meu nome é Dandara Esperança, tenho 24 anos, moro no Quilombo do
Campinho, que está localizado em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Minha casa
é pequena, mas confortável para duas pessoas.
Tenho uma história muito importante. Minha avó era filha da irmã mais velha
das três irmãs que fundaram o Quilombo do Campinho, onde minha mãe nasceu e
foi criada.
Atualmente, moro com minha irmã Mera, de dez anos, que estuda e é muito
inteligente, e com minha mãe Selma, que está com dez anos e trabalha na loja de
artesanato do quilombo.
Eu faço faculdade de enfermagem e já fiz faculdade de relações internas
para entender melhor sobre o nosso território e os nossos direitos como
quilombolas. Trabalho no restaurante do quilombo no meu tempo livre.
Tenho pele retinta e meu cabelo preto é cacheado e muito volumoso. Meus
olhos são castanhos. Todos dizem que sou linda e sinceramente concordo, acho
meu rosto harmônico. Com isso, minha autoestima é bem alta e considero minha
saúde mental boa. Minha religião segue a matriz africana.
Existem quilombos que não têm pessoas com formação para defender os
direitos dos quilombolas. Por isso, sou tão estudiosa. Isso é muito útil quando
caçadores aparecem aqui, como se as terras fossem deles. O caso mais recente foi
o de um grupo de homens que apareceu por aqui, afirmando que as terras do
quilombo eram de propriedade privada, compradas para a construção de um hotel
de luxo. Eu soube muito bem nos defender.
Eu os confrontei, citando leis e documentos que comprovam o direito
ancestral da comunidade sobre o território. Eu percebi que eles tentaram me
intimidar, me ignorando por ser uma mulher jovem e negra. Foi, então, que usei
minhas habilidades com prazer. Mostrei conhecimentos sobre leis e nossos direitos.
Percebendo que eu tinha uma boa formação intelectual, retiraram-se, sem mais
nada dizer.
O ocorrido mexeu com a comunidade. Muitos se assustaram, mas a maioria
se orgulhou da minha atitude. Minha mãe, Selma, me abraçou, dizendo: "Você tem a
força das nossas ancestrais. A sua luta é a nossa luta."
Para proteger o futuro do quilombo, eu precisava expandir meus
conhecimentos. Decidi dedicar-me à minha faculdade de enfermagem. Vi, na área
da saúde, uma forma de fortalecer meu povo.
Enquanto isso, minha esperta irmã, com apenas dez anos, começou a usar a
internet para pesquisar sobre direitos de terras das comunidades quilombolas. Ela
encontrou uma organização de advogados que se ofereceu para ajudar o quilombo.
A união da sabedoria ancestral das pessoas mais velhas do quilombo, minha
formação e o conhecimento de Mera tornaram-se a maior arma do quilombo contra
aqueles que queriam roubar nossas terras.
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