Page 15 - Fios do tempo
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Quando cheguei ao seu tempo, pude ver Paraty na época colonial, com suas
ruas de pedras, casas e sobrados comerciais. Vi tropeiros, viajantes e comerciantes,
e, mais adiante, pessoas sendo obrigadas a transportar ouro e mercadorias para o
porto. Escravizados carregavam pedras pesadas nas costas. O centro da cidade
não tinha tantas pessoas andando nas ruas, como hoje acontece. Mas, para a sua
época, a vida social era intensa e havia muito comércio, mas também opressão e
sofrimento.
Caminhei por várias horas. Estava atordoada e percebi que ninguém
conseguia me enxergar. Foi, então, que lhe vi. Você, Iracema, realizando seu
trabalho com tanto cuidado, mesmo carregando o peso da exploração e da
violência. Tentei correr até você, mas não pude fazer nada. Eu parecia um tipo de
espírito, ninguém me via, eu não conseguia encostar em nada. Acompanhei sua
vida por um tempo e ficava brava de não conseguir ajudá-la, eu queria muito
ajudar… De repente, fui puxada de volta para o Quilombo do Campinho. Voltei para
o ano de 2025.
Sentir a sua realidade trouxe uma mistura de tristeza e indignação que
apertou meu peito. É impossível não perceber a dor que você passa e a força que
precisa para sobreviver. Ao mesmo tempo, senti uma profunda simpatia e
admiração por você. A coragem que você demonstra me inspirou profundamente.
Isso me fez refletir sobre as injustiças que ainda cercam nosso mundo e me motivou
a lutar ainda mais por igualdade e respeito para todas as mulheres negras.
Ser uma mulher escravizada é viver sem direito de escolha, carregando
pesos e obedecendo ordens, enquanto se suporta castigos e tenta não demonstrar
dor. É não ser dona do próprio corpo, tempo ou vida, tudo é controlado pelos
senhores. O medo é constante, mas, mesmo assim, você encontra formas de
resistir, rezando escondida, lembrando da família, dividindo o pouco que tem com os
outros. Ser mulher escravizada é sobreviver enquanto o mundo insiste em negar
dignidade, mas sua resistência mantém viva a esperança.
Hoje, no Quilombo do Campinho, aprendemos com a resistência de mulheres
como você. Nosso quilombo começou no fim do século XIX, quando três mulheres
negras decidiram se unir e formar nossa comunidade, preservando cultura, fé e
tradição. É um lugar de natureza, histórias e festas comunitárias, com cheiros de
terra molhada, folhas e flores, e comidas que carregam nossa tradição, peixe com
banana, feijão tropeiro, angu e feijoada. Celebramos nossa identidade com oficinas,
danças, jongo e eventos, mesmo enfrentando desafios para manter nosso território
e cultura vivos.
Infelizmente, os séculos de escravidão, violência e intolerância de Portugal
deixaram marcas profundas. Mesmo após a abolição, nossos antepassados foram
deixados sem terra, sem educação e sem apoio. Muitos continuaram sendo
explorados. É por isso que os quilombos existem, para resistir, proteger famílias e
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