Page 13 - Fios do tempo
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Iracema Coutinho Duarte


                       Meu nome é Iracema Coutinho Duarte, tenho 17 anos e nasci em 1774. Sou
               uma  mulher  negra  e  escravizada.  Tenho  um  vestido  branco  sujo  e  simples  que
               sempre uso, mas, às vezes, gosto de me enfeitar e usar um turbante.

                       Vivo  em  Paraty,  em  uma  casa  luxuosa,  que  pertence  a  meus  donos,
               Sebastião  e  Leonor  Bragança.  São  nobres  que exploram metais preciosos nessa
               terra explorada pelos portugueses, que trouxeram sofrimento aos meus ancestrais.


                       Moro com muitos escravizados, que, assim como eu, vieram para cá em um
               navio negreiro. Viemos de lugares diferentes. Não sei falar muito bem as distintas
               línguas em que cada um se expressa, mas nós começamos a nos comunicar por
               meio  de  gestos,  para  falarmos  secretamente.  Também  nos  esforçamos  para
               aprender  algumas  palavras  da  língua  um  do  outro.  Eu sei falar português, o que
               facilita conversar com aqueles que já estão aqui há mais tempo.

                       Fomos  separados   de  nossas  famílias  pelos  colonizadores.  Eu  era  muito
               ligada  ao  meu  povo.  Sei  que  a  esperança  é  mais  forte  que  todo  o  medo  que
               passamos por conta deste período de dificuldades. Porém, uma coisa que aprendi
               com meu povo foi que devemos lutar pelos nossos direitos, sem deixar o medo nos
               consumir.


                       Não  sei  em  que país nasci. Por volta dos meus dez anos de idade, minha
               família  e  eu  fomos  comprados  por  portugueses,  que,  intencionalmente,  nos
               separaram.  O  objetivo  deles,  com  isso,  era   impedir  a  formação  de alianças e a

               organização de planos de fuga ou revolta. Desde então, lembro de poucas coisas do
               local em que passei parte da minha infância. Tenho algumas lembranças de minha
               cultura.

                       Desde cedo, comecei a trabalhar de forma exaustiva. Passei por sofrimentos
               físicos e emocionais, sendo forçada a realizar tarefas que levavam a punições e à
               morte de muitos escravizados, que conviviam comigo.


                       Meu dia a dia é sempre o mesmo. Cuido dos filhos de meus donos. Caso eu
               faça algo que eles não gostam, sou punida de forma brutal. Não recebemos muita
               comida, somente restos da refeição dos meus senhores. Temos que realizar rituais
               religiosos que não pertencem a nossa religião original. Mas guardamos, em nossa
               memória,  as  nossas  crenças,  como  forma  de  resistência.  Caso  meus  donos
               percebam isso, podemos ser denunciados aos funcionários do rei de Portugal e da
               Igreja Católica. Há um tempo, organizamos um plano de fuga, mas não deu certo.

                              Ana Beatriz Fantaguci Andreotti, Beatriz Lamarca D’ Andrade Furtado,
                              Laura Mota Francioli, Lorena Moraes Mammini e Luiza Almeida Fidelis.




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