Page 17 - Fios do tempo
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Nala Dlamini (quilombola atual)

                       Sou  Nala  Dlamini  e   acabei  de  completar 16 anos. Tenho rosto redondo e
               meu cabelo é crespo e bem volumoso. Gosto de usar panos na cabeça para segurar
               o meu cabelo, mas não é todo dia que tenho tempo para arrumá-lo, pois trabalho
               muito. Costumo usar saias longas e coloridas.
                       Considero-me uma menina romântica e engraçada. Amo crianças, inclusive
               minha  irmãzinha,  e  adoro  lutar  capoeira  com  o  pessoal  da  comunidade  em  que
               resido: o Quilombo do Campinho, localizado em Paraty, que fica no estado de São
               Paulo.
                       Meus pais sempre foram conhecidos por enfrentar as injustiças vividas pelos
               descendentes  de  africanos.  Tento  fazer  o  mesmo,  porque,  apesar  de  algumas
               conquistas, ainda temos muito a fazer.  Acho que sou uma mulher guerreira e quero
               fazer de tudo para as mulheres serem mais vistas na sociedade. Chega de ficarmos
               invisíveis  e caladas.
                       As casas do quilombo são bem parecidas e não seria diferente a minha, uma
               residência simples e feita de tijolos misturado com terra, sendo segurada por pilares
               de madeira. No teto, há telhas comuns. Meu lugar preferido da casa é a varandinha,
               pode ser pequena, mas eu a amo, é um lugar onde reflito sobre a vida. Moro com
               minha irmã de seis anos que se chama Eloá e tenho uma vizinha, a Maria Antônia,
               de setenta anos, que mora com seu filho Antônio Augusto, que possui dezoito anos.
                       As minhas crenças vêm de matriz africana, pois meus ancestrais vieram da
               África em uma embarcação, que cruzou o Oceano Atlântico. Eles foram obrigados a
               vir para o Brasil junto com quase cinco milhões de escravizados.
                       Minha rotina é bem difícil e cansativa. Acordo às cinco horas da manhã e me
               visto rapidamente. Ajudo a minha irmã a colocar o uniforme escolar e os sapatos.
               Deixo minha irmã na escola e vou  para o meu trabalho no primeiro turno, entre  seis
               horas da manhã e três horas da tarde. Trabalho como garçonete no restaurante do
               quilombo, onde é servida uma feijoada muito apreciada pelos turistas. Depois, dou
               aula de jongo para as crianças da vizinhança. Retorno para casa por volta das sete
               horas  da  noite  e,  quando  chego,  já  tenho  que  buscar  a  minha  irmã  na  casa  da
               vizinha, que a busca na escola.
                         Mesmo  com  muito  sono,  ainda  preparo  o  jantar.  Arrumo  a  casa  inteira
               enquanto  minha  irmã  come.  Depois  conto  histórias  do  quilombo  para  ela.  Caso
               contrário,  ela  não  consegue  dormir,  pois  nossa  mãe  amava  nos  contar  histórias.
               Mesmo  cansada,  não  deixo  de  transmitir  as  narrativas  sobre  nossos  ancestrais,
               pois, assim, conservamos nossa identidade cultural. Às onze da noite, finalmente,
               vou para cama dormir.
                       Sinto e penso que as mulheres negras têm que ser respeitadas, e a história
               de luta tem que ser mostrada e apreciada. Outra coisa que me faz refletir muito e
               tem que ser mudada é a questão do desmatamento nos quilombos, pois suas terras





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