Page 19 - Fios do tempo
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Zuri Akello (escravizada do século XVIII)

                       Olá, meu nome é Zuri Akello, tenho 36 anos, e nasci em 20 de setembro de
               1740. Moro em   Paraty na casa de meus donos. Durmo em uma senzala, que é o
               lugar em que os colonizadores colocam seus escravizados. É um ambiente escuro e
               sujo.  Temos  que  dormir,  sem  tomar  banho,  no  chão  duro,  onde  são  espalhadas
               palhas. Nada confortável! Fui trazida de Angola, mas não lembro muito de lá…
                       Quando  tinha  cinco  anos,  os  portugueses  retiraram-me do meu país, junto
               com meu pai e minha irmã. Meu pai morreu no meio do caminho de uma doença
               desconhecida. Seu corpo foi jogado nas águas do oceano Atlântico. Viajamos em
               um navio superlotado, onde nos jogaram em um porão, sujo e apertado. Ali, passei
               pelas  piores  coisas da minha vida, pois fui separada da minha família e fiquei na
               parte mais funda do porão no navio, que ficava do lado de uma sala com corpos de
               pessoas mortas, antes de serem jogadas nas águas. Eu sofria maus-tratos, fome e
               enfrentava doenças, mas a pior parte foi quando eu vi o corpo do meu pai já sem
               vida.  Quando  chegamos  aqui,  vim  para  Paraty.  Depois  de  muitos  anos,  fiquei
               sabendo que minha irmã havia fugido para um quilombo.
                       Lido, sozinha, com situaçoẽs muitos difíceis, como abusos e violência. Meus
               donos são muito agressivos e são da corte real  portuguesa. Tento conseguir minha
               liberdade ou fugir para um quilombo. Cuido da residência de meus senhores, que
               me colocaram para cuidar de sua filha, chamada Maria Costa, que tem dois anos.
               Seus  pais  são João Costa, de 45 anos, e Francisca Costa, que tem 44 anos. Na
               senzala, tenho os amigos Aisha e Simba.
                       Acordo  às  cinco  horas  da  manhã. Em seguida, preparo a comida do dia e
               faço  outros  trabalhos  domésticos,  sempre  cuidando  da  Maria.  Se  faço  qualquer
               coisa errada,   sou tratada de forma violenta, até quase não aguentar mais. Durmo
               depois da meia noite. Posso relaxar um pouco e ficar com meus amigos, que são as
               únicas  pessoas  que  me  fazem  continuar  viva.  Conversamos  sobre  as  nossas
               tradições, para não perdermos os vínculos com nossa cultura ancestral.
                       Eu  sou  uma  mulher  muito  bonita  e  forte,   uso  um  macacão branco e, por
               cima,  um  vestido  vermelho, laranja e marrom, que está quase sempre sujo. Essa
               vestimenta foi feita por mim mesma. Nos pés, uso um sapato rasgado e velho, que
               foi  dado  pelos  meus  donos.  São tão finos que eu até consigo sentir o chão. Sou
               muito magra, pois não me alimento direito, tenho um cabelo lindo; porém, por conta
               de falarem que ele é feio, uso, todo dia, um pano na cabeça, que esconde todo o
               cabelo.
                       Sonho em sair dessa vida e ir morar com minha mãe e minha irmã em um
               lugar distante daqui. Odeio meus donos e, ao mesmo tempo, sou obrigada a pensar
               que, sem eles, eu já estaria morta de fome, ou qualquer outra coisa. Já pensei em
               tirar minha vida várias vezes, mas tenho esperança de reencontrar minha família.





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