Page 24 - Fios do tempo
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Dandara Nzinga (escravizada do século XVIII)


                       Meu nome é Rosa de Sousa, porém meu nome original é Dandara Nzinga,
               pois os portugueses querem apagar a história de nós, africanos. Tenho vinte e sete
               anos e nasci em doze de julho de 1743.
                       Moro na casa de meus donos, em Paraty, e fico principalmente na senzala,
               que é um local onde nós, escravizados, dormimos amontoados e, logo de manhã,
               somos  acordados  para  exercer  trabalho  forçado.  A  minha  vida  é  cheia  de
               sofrimentos…
                       Para  começar,  desde  muito  cedo,  já  vi  meu  povo  sendo  levado  pelos
               portugueses.  Quando  tinha  onze  anos,  fui  trazida  da  Costa  da  Mina  para  uma
               colônia  deles.  Fui  levada  a  um  barco  cheio  de  pessoas  do  meu  povo  e,
               rapidamente,  fui  lançada  ao  porão  e  acorrentada.  Não  havia  membros  da  minha
               família  junto  comigo.  Recebíamos  migalhas  de  comida  diariamente.  A viagem foi
               medonha,  composta  de  altas  ondas  que  balançam  o  navio.  Até  bati  a  cabeça  e
               comecei a chorar. Fiquei dias com a ferida sangrando. A dor era intensa.
                       Aos  doze  anos,  fui  obrigada  a  exercer  ofícios  para  os  senhores  que  me
               compraram. Eu era como uma mercadoria para eles, que eram três pessoas de uma
               grande família nobre, sendo eles Pedro Silva (pai), João Silva (filho) e a Maria Silva
               (mãe).  Pedro,  todo  o  dia,  saía  de  casa  e  obrigava  as  escravizadas  a  coletarem
               madeira  e  a  ajudar  a organizar os metais preciosos que os portugueses levavam
               para o seu país. O ouro era o principal deles. Pedro supervisionava tudo de perto.
               João  o  ajudava enquanto a mãe parecia que estava viva apenas para fazer mais
               filhos. Ela estava grávida pela quinta vez e não tinha escolha se queria ser mãe de
               mais filhos. Seu marido decidia tudo por ela.
                       Minha  rotina sempre foi a mesma desde o trágico dia, quando fui trazida a
               esta terra. Para começar, acordo em horários variados, que dependem apenas do
               que  os  portugueses  vão  querer  de  mim.  Durmo  pouco, pois meus donos exigem
               muito  de  mim.  Faço  serviços  domésticos  e  ando  pelas  ruas  de  Paraty,  com  a
               supervisão  de  meus  proprietários.  Compramos  mercadorias  e  eu  tenho  que
               carregá-las.  É  muito  peso  em  meus  braços.  Às  vezes,  sou  mandada  a  fazer  as
               compras sem a companhia de ninguém. Mas todos sabem que sou escravizada e
               sou vigiada mesmo sozinha. Aproveito para conversar mais com as pessoas e saber
               as  novidades.  Outro  dia,  fiquei  sabendo  da  fuga de vários escravizados para um
               quilombo.  Fiquei  feliz  pela  resistência  deles  e  desejei  também  escapar  daquela
               terrível situação em que me encontro.
                       Após  comprar  a  comida,  vou  para  casa,  onde  preparo  os  alimentos  para
               todos. Tenho direito a uma porção bem pequena de comida. Depois disso, trabalho
               muito. Durmo depois da meia noite.
                       Para concluir, os meus sentimentos diários são muito tristes. Tenho raiva dos
               portugueses por matarem meu povo e me obrigaram a seguir o catolicismo. Não era
               apenas uma imposição religiosa, era como se apagassem quem eu era de verdade



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