Page 22 - Fios do tempo
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inconformada,  não  só  com  a  vida  e  o  sufoco  que  vocês  passavam,  mas  como
               ninguém parecia notar o quanto aquilo era terrível e desesperador.
                        Por esse motivo, eu decidi acompanhar a rotina de seu dia a dia, pois era a
               minha chance de valorizar e reconhecer a história de meus antepassados. Aliás, o
               que adianta vivermos o nosso presente sem lembrarmos o nosso passado? Então,
               analisei  mais  de  perto:  você  tinha uma rotina muito difícil e dura, acordava muito
               cedo para ser espancada, assediada e violentada, mesmo cuidado, com carinho, da
               filha  de  seus  donos.  Você  era  como  uma  mercadoria,  Zuri.  Sinto  muito por isso,
               minha amiga.  Mesmo assim, seguia firme e forte, voltando para a senzala, tarde da
               noite. Descansava em um local sujo, com falta de higiene e comida, submetida a um
               rígido controle, mas mantinha um brilho no olhar naquele momento, pois tudo que
               desejava era conversar com seus amigos. Relembrar seus costumes.
                       No dia seguinte, eu acordei e acho que nunca senti tanto alívio. Ao invés de
               deitada  na  senzala,  eu  estava  finalmente  em  minha  casa.  Tinha  saído  daquele
               inferno.  Senti  alegria e fui invadida por uma tristeza. Já estava com saudades de
               você.  Porém,  dessa  vez,  eu  não  tinha  voltado  pelo  portal.  O  sono  me trouxe ao
               presente. Com isso, percebi que ainda não tinha acabado minha viagem ao passado
               e  que  eu  ainda  tinha  uma  função:  escrever  essa  carta  para  você,  afinal  você  é
               incrível, Zuri. É forte, corajosa e, mesmo com MUITAS dificuldades, nunca desiste.
               Continua com um brilho, que chamou algo dentro de mim e me fez seguir você, que
               foi minha companhia naqueles terríveis momentos.
                       Eu  quero  que  você  sempre  se  lembre  que  todo  seu  esforço  deu  certo.
               Lembro que vocês e seus amigos planejavam ações de resistência contra a ideia da
               superioridade  dos  brancos  europeus.  Hoje  em  dia,  não  há  mais  escravidão.  Os
               descendentes  de  africanos,  mesmo  assim, não são bem vistos por todos. Somos
               mais  aceitos  na  sociedade,  apesar  de  ainda  enfrentarmos  as  consequência  da
               sociedade escravocrata.
                       Nós, mulheres negras, também sofremos com os vestígios do modo de vida
               patriarcal, que você conheceu tão bem.   A cada dia, quebramos mais as barreiras
               das  desigualdades  entre  homens  e  mulheres.  Fios  invisíveis  ligam  as  nossas
               histórias,  Zuri.  São  os  fios  do  tempo,  que  amarram  o  passado,  o  presente  e  as
               nossas irmãs do futuro. Precisamos entrelaçar esses fios em nome da liberdade.
                       Muito obrigada, você me ajudou a descobrir mais sobre meu passado e meus
               antepassados e a entender como era horrível a época em que você vivia. Devo, por
               isso, ser muito grata pela minha vida, minha casa e, principalmente, minha família.
                       Eu  realmente  espero  muito  que  agora  você  esteja  lendo  essa  carta,  com
               orgulho  de  si  mesma,  não  se  preocupe  com  o  futuro, vai dar tudo certo se você
               continuar sendo forte.
                                                                      Espero tudo de melhor para você,
                                                                                           Nala Dlamini.

                                                    Ana Clara Riviera Borges, Juliana Gumieiro Morbi,
                                               Manuela Sônego Valese e Maria Eduarda Rebelo Jaen



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