Page 21 - Fios do tempo
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Paraty, 10 de setembro de 2025.
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                       Olá, meu nome é Nala. Tenho 17 anos, vivo em Paraty, mais especificamente
               no Quilombo do Campinho. Sou do século XXI e, mesmo que pareça estranho, leia
               esta carta até o fim. Você vai entender como lhe conheci. Você residia na mesma
               cidade que eu moro, mas, nesse tempo, ela pertencia aos portugueses, como você
               bem deve saber. Hoje, formamos um país independente, o Brasil.
                       Eu não conheci muito meus país e avós. Então, sou apenas eu e minha irmã,
               vivendo  juntas.  Meu  sonho  era  conhecer  mais  sobre  a  minha  família,  meus
               antepassados  e  minha  cultura.  Então,  o  meu  desejo,  na  última  festa  de  meu
               aniversário,  ao  assoprar  a  vela  de  meu  bolo,  desejei  me  conectar  com  minha
               família. Após isso, fui dormir, pois já estava tarde e, no dia seguinte, acordaria cedo
               para trabalhar.
                       De  repente,  quando  acordei,  estava em um local úmido e deitada em uma
               cama  velha.  Havia  uma  porta  grande  com  uma  cor  branca  brilhante,  como  um
               portal.  Então,  resolvi  atravessá-la.  Quando  passei  por ela, avistei uma plantação.
               Havia muitos homens negros carregando caixas pesadas. O local era familiar, eu o
               reconhecia,  mas  não  sabia  bem  onde  estava.  E,  de  repente,  uma  mulher  vinha
               rapidamente  em  minha  direção,  como  se  não  me  visse.  Saí  da  frente  dela  com
               pressa.  E  isso  aconteceu  várias vezes, fazendo-me perceber que eu era invisível
               para aquelas pessoas.
                       Com medo, caminhei pelo local e comecei a perceber que era o lugar onde
               eu morava, em Paraty colonial, pois, ao me virar para trás, vi um homem branco,
               que falava português com um sotaque de Portugal. Ele batia em um homem, que
               gritava com uma voz desesperada. Fiquei apavorada… Comecei a chorar, só queria
               sair daquele local medonho e assustador. Ninguém ouvia meus gritos. Fui invadida
               pela solidão. Lágrimas escorriam pelo meu rosto.
                       Corri  em  direção  ao  portal,  onde  eu  tinha  entrado  naquele  cenário.  No
               caminho,  vi  uma  mulher colhendo frutas. Fiquei paralisada, pois aquela moça era
               muito parecida comigo. Seu rosto era praticamente idêntico ao meu. Olhos, boca e
               nariz iguais aos meus, e ainda tinha uma pinta no braço esquerdo, como eu. Senti
               uma conexão diferente. E, de forma repentina, uma mulher branca gritou.
                          -  Zuri Dlamini ! Venha cuidar da minha filha!
                       Você,  Zuri,  que  tem o mesmo sobrenome que o meu, Dlamini, foi até uma
               casa luxuosa, obedecendo às ordens da mulher. Naquele momento, entendi tudo!
               Eu estava no passado, vendo uma antepassada minha, você. Tudo fez sentido. Meu
               desejo de conhecer minha família tinha se realizado. Vi você cuidar da bebê, comer
               os  restos  de  comida  e,  quanto  mais  eu  via  seu  modo  de  vida,  mais  eu  me
               assustava, aquilo era terrível. Pior do que eu imaginava ao estudar sobre o período
               em que você viveu.
                       A  cada  dia  que  passava,  acompanhava  um  pouco  de  sua  rotina.  Estava
               interessada em saber de sua história e das situações do dia a dia, mas, ao mesmo
               tempo,  achava  muito  estranho  ninguém  conseguir  me  enxergar.  Fiquei


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