Page 28 - Fios do tempo
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Zeferina de Banguela (quilombola atual)
Meu nome é Zeferina de Banguela, um nome histórico. Sou descendente de
africanos. Tenho trinta e oito anos e nasci no Quilombo do Campinho, na cidade de
Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Minha residência é no próprio quilombo, sendo
feita com materiais da natureza local, como, palha de taboa, bambu e taquara.
Tenho olhos castanhos, sobrancelhas grossas, cabelos cacheados.
Considero-me magra. Minha pele tem um tom marrom avermelhado, e tenho um
metro e setenta e dois centímetros de altura. Gosto de deixar minhas unhas
vermelhas e tenho uma cicatriz nos punhos.
Nasci em um berço de palha, pois, aqui no quilombo, não temos uma
qualidade de vida muito boa, quando a comparamos com outras pessoas de nossa
sociedade. Procuramos ajudar uns aos outros, mas enfrentamos muitas
dificuldades. Sonho, por exemplo, em ter um automóvel, para poder me locomover
melhor e até trabalhar fora do quilombo. O quilombo fica em uma região afastada do
centro da cidade e o sistema de transporte público é precário para nós.
Quando tinha doze anos, nossa comunidade recebeu o título de território
quilombola, a primeira do Rio de Janeiro. Minha mãe chama-se Cláudia de
Banguela e tem setenta e seis anos. É griô, uma sábia contadora de histórias de
origens africanas. Assim, ela conserva e transmite as raízes culturais de nosso
povo.
Ela sempre conta a todos sobre a história das três fundadoras do nosso
quilombo, que se formou após a abolição da escravatura. As ex-escravizadas
Antonica, Marcelina e Luiza deram origem à nossa coletividade. Elas receberam um
pedaço de terra do seu antigo senhor, uma área desgastada pela cultura de café.
Lá, estabeleceram a comunidade, que hoje é um patrimônio cultural.
Desde o início, todos membros passaram a ser regidos por mulheres,
formando uma comunidade matriarcal. Minha mãe, por exemplo, é líder de onde
moramos. Conseguimos vencer barreiras em uma sociedade patriarcal, em que os
homens se consideram superiores às mulheres.
Além da minha mãe, moro com meu pai, que se chama Daniel de Banguela.
Ele tem oitenta anos e é aposentado. Era agricultor antes disso. Não tenho irmãos,
sou filha única. Tenho um namorado e estamos prestes a nos casar. O nome dele é
Nelson Pereira e tem quarenta e seis anos. Ele é artesão, contribuindo para as
vendas da nossa loja de artesanato.
Eu ensino as crianças, como voluntária, sobre nossas raízes culturais. Gosto
de fazer pinturas em vasos, com temas africanos. Trabalho como cozinheira do
quilombo. Eu gosto de dançar jongo e estou aprendendo a cantar todas as músicas
tradicionais. Comemos macaxeira, feijoada, pilão, mingau de couve e tutu de feijão.
Sinto-me bem no quilombo, mas fico muito chateada com os desafios que
enfrentamos por causa do racismo. Tenho orgulho dos valores de nossos
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