Page 30 - Fios do tempo
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Imani Zola (escravizada do século XVIII)
Meu nome é Imani Zola, tenho 23 anos e nasci em 1712. Sou magra, negra e
tenho cabelos cacheados que são bem duros. Meus olhos são grandes, tenho uma
pupila bem escura e marrom, sobrancelhas grossas, tenho uma cicatriz no joelho,
pois o machuquei durante a minha infância.
Vivo em Paraty, colônia de Portugal. Moro na casa de meus senhores, que
foi feita com paredes grossas e telhas vermelhas como cobertura. A residência foi
construída sobre alicerces elevados para nos proteger das enchentes. O telhado é
inclinado para escoar as águas da chuva. As ruas de pedra têm formato curvado,
para que a maré contribua para limpeza, lavando, de forma natural, as vias por onde
circulamos.
Durante minha vida, passei por muitas dificuldades e enfrentei
acontecimentos que ficaram em minha memória. Um dia, logo após eu e os outros
africanos trazidos à força para cá, chegarmos em terra firme, meu dono nos levou
para uma cabana estranha e não entendia o que ele falava. Nossas línguas eram
diferentes, mas ele parecia raivoso, acho que sua casa ainda não estava finalizada.
A noite havia acabado e o sol nascia. Naquela manhã, fomos levados a uma feira
com pessoas montadas em cavalos e carroças. Ordenaram que ficássemos
agachados de joelhos em um chão molhado e esburacado. Era uma feira. Nós
éramos as mercadorias.
Alguns nobres portugueses compraram alguns de nós, primeiramente
homens mais fortes, até que chegou a minha vez. A partir daquele momento, eu
tinha um dono, que me levou como se eu fosse uma mercadoria. Percebi que eu
começaria a trabalhar, de forma forçada, para ele e sua família.
Quando chegamos à residência dele, fui obrigada a agachar do lado de uma
cama. Não podia tomar água, comer ou me mexer. Se eu não cumprisse as ordens,
levaria chicotadas. Às vezes, eu sofria assédio sexual do meu proprietário. Tinha
muito medo dele. Esse foi um dos tristes episódios da minha vida. Depois, fui
vendida mais três vezes.
Meu dono atual é um membro da corte portuguesa em Paraty. Ele tem um
chapéu grande e elegante. Usa roupas que combinam com o chapéu e uma barba
grande e longa. Tem um cavalo lindo, que se chama Julius. O nome do meu dono é
Sérgio Fonseca. Sua função é assegurar que o ouro chegue até Portugal,
supervisionando o porto pelo qual o metal precioso é enviado para a Europa.
Quando estou muito desanimada, tento relembrar meu passado lá da terra de
onde vim. Ah, falando nisso, tive uma infância tranquila. Às vezes faltavam
alimentos em casa, mas quase sempre a comida da minha mãe era uma delícia,
sinto o gosto até hoje… Estou com saudades. Sinto-me sozinha aqui. Invisível.
Queria explorar o mundo, conhecer um marido, ter filhos e casa própria. Gostaria
muito de morar em Angola. Eu me sinto mal por estar dependente de um dono, acho
que foi a maior injustiça da história o que esses portugueses fizeram conosco e com
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