Page 31 - Fios do tempo
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os indígenas. Tenho terríveis pesadelos enquanto durmo. Não desejo o que
passamos para nenhum ser humano.
Eu vim do continente africano e espero que todos de lá estejam bem, dentro
do que é possível. A viagem foi cansativa e vários africanos morreram, por algum
vírus que se espalhou pelo nosso navio. Sinto muito pelos que morreram. Não
conhecia ninguém no navio. Recebíamos somente um balde de peixe por mês para
nossa alimentação. Muita fome, medo e fraqueza era o que sentíamos, além do
desconforto que era dormir no chão molhado de madeira. O cheiro era insuportável,
peixe, fezes, urina e suor.
Ainda me alimento com peixes e, às vezes, mandioca ou milho, para
acompanhar. Tenho apenas a roupa com a qual vim para cá. Meu dono comprou
uma outra para eu usar nos dias em que acompanho ele nas reuniões e
celebrações religiosas. Sinto tristeza por ter sido escravizada e ter que largar minha
religião, para adotar o catolicismo, imposto pelos portugueses. Fizeram até uma
igreja para nos tornarmos cristãos, entretanto, todas as noites, penso nas minhas
crenças de matriz africana. Torço para que a história melhore e eu possa ser livre.
Felipe do Prado Silva, Davi Tonello Fernandes Parada,
Gustavo Paiva Bampa e Leonardo Rocha Campos Delmutti
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