Page 32 - Fios do tempo
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Paraty, 10 de setembro de 2025
Prezada Imani,
Escrevo essa carta sentindo sua dor. Fui transportada ao seu tempo e lhe vi
curvada, não pelo corpo, mas pelo mundo. Estava carregando o peso de uma
história escolhida por ninguém, permanecendo invisível em Paraty, terra
conquistada pelos portugueses, em que as mulheres são consideradas inferiores
aos homens.
Meu nome é Zeferina de Banguela. Tenho trinta e oito anos. Moro no Quilombo
do Campinho, em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Resido com meus pais.
Estou planejando me casar. Sou a cozinheira do quilombo e ensino as crianças da
nossa comunidade sobre a cultura africana. Adoro dançar jongo, uma dança
tradicional em que alguém chama outra para dançar e é caracterizada por uma roda
e músicas tocadas em um tambor. Agora que você sabe quem sou, vou voltar a falar
de você.
Quando a vi, estava trabalhando sem saber o porquê. Escravizados foram
obrigados a exercer trabalhos forçados. Os portugueses estavam, em seu tempo,
explorando o ouro de sua colônia e levando-o para o seu país. Milhares cruzaram o
mar, sem escolha, para atender à ambição dos europeus.
Mesmo sendo chicoteada, você nunca parava de sorrir, tinha um sorriso tão
belo, irmã de outro tempo. Vi que você é bem jovem ainda, vinte e três anos
apenas. Assisti aos seus tristes episódios, como escravizada. Observei Sérgio
Fonseca, aquele que se diz ser seu proprietário. Quanta solidão! Tão distante de
sua família!
Agora, no século XXI, existem mulheres que nos fazem sentir representadas
na sociedade, no sentido de conquistar seus direitos e maior espaço nas decisões
políticas. Nosso quilombo tem várias mulheres muito conhecidas. Para mim, um
quilombo é um lar de muitos negros, mas significa comunidades em que nós, negros
vivemos. Hoje, o mundo mudou. A escravidão é proibida, mas a liberdade ainda é
uma construção. Cheguei no passado, seu presente, de um jeito muito diferente.
Estava andando pelas ruas de Paraty, quando decidi entrar em uma casa que
parecia abandonada. Quando fui sair da residência, acho que entrei em um portal
mágico. Saí pela porta dos fundos daquela casa e estava em Paraty no século XVIII.
Fiquei observando muita gente sendo chicoteada. Tentei impedir que aquilo
acontecesse, mas ninguém me enxergou ou escutou. Eu estava invisível. Ouvi
várias conversas e percebi que os costumes eram bem diferentes dos atuais. Até
que eu lembrei das histórias que meus pais me contavam sobre o passado da
cidade de Paraty e lembrei dos portugueses e dos escravizados. De repente, vi você
e senti vontade de seguir seus passos. Contemplei sua rotina de trabalho árduo,
seus amigos, seus choros noturnos…
Quando voltei ao tempo presente, decidi escrever esta carta a você. Hoje,
não é permitida a escravização. As mulheres negras são inspiração para muitas
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