Page 72 - Fios do tempo
P. 72

Sua vestimenta é simples, feita de tecidos envelhecidos, mas você a carrega
               com dignidade, mas, lá no fundo do seu coração, há uma frustração. Suas saias são
               longas e suas blusas são desgastadas pelo uso que mostra esforço e resistência.
               Mesmo  assim,  você  arruma  um  jeito  de  manter  um  pouco  de  cuidado  e  beleza,
               costurando detalhes, ajustando cores, deixando a roupa falar de você.

                       Sei que seus donos, Duarte Oliveira Alves e Catarina Oliveira Cardoso, estão
               sempre  atentos,  exigindo  que  você  siga ordens, mas notei como você aprende a
               encontrar equilíbrio entre o que é exigido e o que consegue preservar de si mesma.
               Cada passo, cada gesto, cada olhar com as outras  pessoas que trabalham ao seu
               lado mostra força resistência e inteligência silenciosa.


                       Hoje,  Nala,  nossa  realidade  é  diferente,  mas  ainda  marcada  por  desafios.
               Mulheres  negras  não  são  mais  obrigadas  a  viver  como  você  vive.  Podemos  ir à
               escola, que é um lugar onde aprendemos a ler, escrever, estudar sobre o mundo e
               as  pessoas,  e  depois  para  a  faculdade,  que  é  como  uma  escola  grande  para
               aprender  profissões  especiais,  para  que  possamos  trabalhar  em  coisas  que  nós
               interessam e ajudar a sociedade.

                       Infelizmente,  ainda  enfrentamos  desigualdades.  Nossos  salários  são
               menores  do  que  os  das  pessoas  brancas.  Somos  subestimados,  ou  seja,  as
               pessoas  duvidam  da nossa capacidade em exercer ofícios importantes. Há o que
               chamamos   de  racismo  estrutural,  onde  nós  sofremos  preconceito  por  sermos
               descendentes  de  africanos,  que  eram  considerados  inferiores  aos  brancos
               colonizadores.  Isso  ficou  enraizado  em  nossa  cultura  e  há  pessoas  que  ainda
               acreditam nas ideias do período colonial.


                       Atualmente, temos políticas públicas para que haja maior equidade social. Há
               as  cotas  raciais,  que  são  vagas  reservadas  para  pessoas  negras,  que  tiveram
               menos  oportunidades  de  estudos,  entrarem  em  uma  faculdade,  que  é  uma
               instituição onde estudamos, para, depois, exercer trabalho remunerado. O livro “O
               Negro no Brasil de Hoje” mostra a verdadeira história das pessoas negras na época
               colonial, que muitas vezes é escondida, ou não é mostrada em palestras e outros
               livros. Predomina o que chamamos de visão eurocêntrica da História: os fatos são
               contados sob o ponto de vista dos europeus, como se eles fossem mais importantes
               que os outros povos.


                       No  Quilombo  do  Campinho,  celebramos  cada  gesto  de  resistência  do
               passado. Cada festa, cada canto de Jongo, cada receita tradicional mantém viva a
               memória  de  nossos  ancestrais.  Cuidamos  da  Mata  Atlântica,  preservamos  nossa
               cultura,  valorizamos  as  mulheres  negras  e  educamos  nossas  crianças  sobre
               identidade  e  história.  Hoje,  podemos  caminhar  livres  pelo  quilombo,  brincar  com
               animais, conversar sobre nossas ideias e planejar um futuro melhor, sem medo de
               sermos punidas por nossa cor ou nossas tradições. Cada passo que damos aqui é
               uma homenagem à nossa coragem.


                                                                                                        72
   67   68   69   70   71   72   73   74   75   76   77