Page 69 - Fios do tempo
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Nala Ekoko (escravizada do século XVIII)


                       Meu nome é Nala Ekoko e minha vida começa muito longe daqui, no Congo,
               onde nasci em três de maio de 1750. Ainda criança, fui arrancada da minha família
               e levada para um navio negreiro, que conduziam os escravizados da África para as
               terras para lá do oceano Atlântico. Terras de portugueses, que nos vendiam como
               mercadoria. A viagem foi um pesadelo de fome, doenças e medo. Nunca esquecerei
               o  cheiro  do  porão  e  o  som  do  choro  daqueles  que   resistiram. Cheguei ao novo
               destino sem saber se um dia voltaria a rever a minha terra ou a ouvir a língua do
               meu povo.


                       Hoje,  vivo  em  Paraty,  no  século  XVIII,  e  exerço  trabalho  forçado,  como
               qualquer  outro  escravizado.  Moro  na  casa  grande  dos  meus  donos, um lugar de
               arquitetura colonial, com janelas cheias de detalhes e enfeites em forma de abacaxi,
               símbolo de riqueza. Mas, para mim, essa casa não tem nada de bonita. O quarto
               onde  durmo  é  apertado  e  abafado,  sem  conforto algum. Meus donos são Duarte
               Oliveira  Alves,  um  homem  de  cinquenta  anos,  que  se  enriquece transportando o
               ouro,  que  vem  da  região  de  Minas  Gerais,  e  explorando  o  trabalho  de  pessoas
               escravizadas.  Sua  esposa,  Catarina  Oliveira Cardoso, me obriga a acompanhá-la
               pelas ruas, carregando potes de melado e rapadura para vender.


                       Meu  dia  começa  antes  do  nascer  do  sol.  Trabalho  no  engenho  de
               cana-de-açúcar, ajudo na limpeza da casa e levo mercadorias pelas ruas de Paraty.
               Vejo o ouro passar pelas minhas mãos, mas ele nunca será meu. Ele vai para as
               mãos do rei de Portugal, que governa seu país de forma absolutista. Quer que os
               cofres públicos fiquem lotados de metais preciosos.



                       Uso saias longas e blusas de tecido leves, pois trabalho muito. Meus braços
               são  fortes  do  trabalho  pesado,  minha  pele é negra, meus olhos são castanhos e
               meus lábios grandes.


                       Carrego comigo lembranças e saudades. Sou forçada a adotar o  catolicismo,
               porque aquele rei que eu falei obriga todos os moradores de suas colônias a serem
               católicos. Embora eu participe das cerimônias e faça as preces, minha religiosidade
               segue a matriz africana. É uma resistência muda, mas, dentro de mim, ela vibra alto.
               Fico  inconformada  ao  ver  as  riquezas  dos  nobres  que  vejo  em  volta  de  mim,
               enquanto outros vivem em estado de miséria. Mas guardo esperança. Mesmo sendo
               vigiada,  castigada  e  obrigada  a  obedecer  aos  meus  donos,  continuo  lembrando
               quem eu realmente sou.





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