Page 67 - Fios do tempo
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Yara Caiapó (quilombola atual)


                       Meu  nome  é  Yara  Caiapó,  tenho 19 anos e sou uma jovem quilombola do
               Quilombo do Campinho, localizado em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Tenho
               pele negra, olhos pretos e cílios longos. Meu cabelo cacheado muitas vezes ganha
               tranças  que  revelam  a  beleza  da  minha  ancestralidade.  Meu rosto é meigo, com
               nariz  empinado,  e  carrego no sorriso a simpatia que me acompanha. Sou alegre,
               comunicativa e gentil, alguém que acredita na força da coletividade e na importância
               de ajudar. Tenho coragem para enfrentar desafios e resistência para continuar a luta
               do meu povo.


                       Minha  casa  é  simples,  mas  carrega  uma  força  imensa.   Ela foi construída
               com  taipa  de  pilão,  madeira  e  cobertura  de  telhas.  É  fresca  nos  dias  de  calor e
               aconchegante nas noites frias. Fica cercada pela Mata Atlântica, que é muito mais
               do que paisagem, é parte da minha identidade, do meu modo de vida e da história
               do meu povo.

                       Nasci  e  cresci  aqui,  entre  as  tradições  que  nos  mantêm  vivos.  Participei
               desde pequena das festas tradicionais, dancei o jongo, ouvi as histórias dos mais
               velhos  sobre  resistência  e  aprendi  a  valorizar  a  terra  e o trabalho coletivo. Cada
               canto do quilombo guarda memórias de luta e de força. Fora daqui, já senti o peso
               do  preconceito  contra  aqueles  que  são  descendentes  de  africanos,  mas  sempre
               voltei  com  o  coração  cheio  de  orgulho  por  ser  quem  sou.  Meu  maior  sonho  é
               estudar  História  para  contar, com a minha voz, a trajetória de resistência do meu
               povo e dar ainda mais visibilidade à cultura quilombola.


                       Moro  com  minha  mãe,  Anahí  Araripe,  que  tem quarenta e cinco anos. Ela
               trabalha na cozinha comunitária do restaurante do nosso quilombo. Ensina receitas
               tradicionais  com  minha  irmã,  Mayara,  de  dezesseis  anos,  que  sonha  em  ser
               professora.  Também  cozinha  com  meu  primo,  João  Araripe,  de vinte anos. Ele é
               agricultor dedicado às hortas que abastecem a comunidade.

                       Nossa rotina começa cedo, ao som dos pássaros. Pela manhã, danço jongo
               com  meus  colegas,  porque  isso  me  conecta  às  minhas  raízes.  Depois,  ajudo no
               restaurante,  onde  recebemos  visitantes  e  mostramos  nossa  cultura  por  meio  da
               nossa  culinária.  À  tarde,  gosto  de  pescar  no  rio,  caminhar  pelas  trilhas  ou
               simplesmente conversar com as minhas amigas. Quando o dia termina, sento com
               minha família para ouvir histórias e cantar, é assim que a memória dos ancestrais
               continua viva.


                       Minha  fé  é  de  matriz  africana.  Honramos  os ancestrais, para nos conectar
               com  a  proteção  deles.  Para  mim,  cada  rio,  cada  árvore  e  cada  pedra  têm  força



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