Page 76 - Fios do tempo
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Teresa Tiana Figueira (quilombola atual)


                       Meu nome é Teresa Tiana Figueira e tenho cinquenta e três anos de idade.
               Moro no Quilombo do Campinho, em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Possuo
               uma casa aconchegante em um canto mais afastado do centro do quilombo.
                       Por ter vivido a vida inteira no quilombo, conheço a história dele, assim como
               a  de  meus  antepassados.  E  também  tenho  bastante  experiência  de  vida.  Adoro
               dançar jongo, um tipo de dança com origem africana, aos domingos. Depois vem o
               almoço,  uma  deliciosa  feijoada  com  torresmo,  acompanhada  de  uma  limonada
               gelada.
                       A vida no quilombo é harmoniosa quanto aos nossos vínculos pessoais, eu
               me  sinto  em  uma  grande  família,  na  qual  todos  pensamos  de forma parecida. É
               muito bom ter a floresta perto de onde moramos. Os moradores são gentis. Cada
               um deles tem sua própria história pessoal, mas temos vínculos coletivos, devido à
               nossa ascendência africana.
                         Sinto-me  privilegiada, eu sei que a maior parte das pessoas não possui a
               chance de viver em uma comunidade acolhedora. Sem falar da incrível comida, do
               lindo  sol,  cujos  raios  iluminam  nosso  cotidiano,  aquele  friozinho  bom  de  sentir  à
               noite.  Nos  fins  de  semana  e  feriados,  é  uma  festança  só,  todos  dançando,  as
               crianças brincando nas ruas de terra, onde não passam carros. Depois, todos indo
               comer feijoada, é uma beleza de se ver. Em apenas um ou dois dias, tenho certeza
               de que convenceria você de que esse é o melhor lugar do mundo inteiro, apesar das
               dificuldades que enfrentamos.
                       Eu sofro muito por ser negra, e por ser mulher também, mas, tenho confiança
               de  que  um dia, nós, mulheres negras, conseguiremos garantir os nossos direitos.
               Muitas pessoas acham que sou criminosa ou algo do tipo, simplesmente pela minha
               cor de pele.Também foi muito difícil arranjar meu emprego, e quase não consegui
               completar o ensino superior, foi por pouco. Muitas pessoas desconhecem o que os
               negros  passaram  para  chegar  até  aqui.  Enfrentaram,  entre  outros  problemas,
               castigos,  fome  e  trabalho  forçado.  Ainda  assim  o Brasil não é justo, sou xingada
               toda hora, muitas pessoas me desvalorizam, o meu sonho é um Brasil com justiça.
                       Felizmente, muitas pessoas lutam para que tenhamos uma sociedade mais
               justa, como o autor do livro “O Negro no Brasil de hoje”, músicos, poetas e outros.
               Gosto de uma frase que diz assim: “Igualdade não é privilégio, é direito”.
                       Sabemos que a história pode ter sido  diferente do modo como é contada nos
               livros, principalmente porque as narrativas são produzidas sob o ponto de vista dos
               europeus.  Se  pudesse,  gostaria  de  saber  cada  detalhe  do  que  aconteceu  no
               passado,  buscando  uma  nova  perspectiva:  aquela  que  foi  vivida  pelos  meus
               ancestrais africanos.
                       Também penso como era viver no período colonial, sem prédios, sem carros,
               usando  cavalos  para  se  locomover.  Mas  também,  como  era  ser  uma  mulher
               escravizada,  imagino,  às  vezes,  como  se  fosse  eu,  dormindo  com  os  ratos,


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