Page 79 - Fios do tempo
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Paraty, 5 de setembro de 2025.

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                       Meu  nome  é  Teresa  Tiana.  E  vim  para o passado por meio de uma fenda
               temporal no jardim da minha casa, eu estava no quintal e do nada escutei um “piiii
               piiii",  então  fui  para  o passado. Eu moro no Quilombo do Campinho, que fica em
               Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Nossas casas são feitas de pau a pique, um
               tipo de mistura de bambu e barro. Também há casas feitas de tijolos e cimento.
                       Escrevi  essa  carta,  pois,  ao  ver seus olhos lacrimejando e a dor que você
               sofria, mesmo que você não me visse, percebi que era necessário escrever essas
               linhas para você. Você sofre todo o tipo de violência. Pelo pouco tempo que estive
               em sua época, eu vi você sofrendo violência sexual, verbal e fisica.
                        Também realizei a minha vontade de ver o mundo no período colonial, que
               foi muito pior do que eu imaginava. Você foi vendida como  uma mercadoria, contra
               a sua vontade, para ir residir em terras colonizadas pelos portugueses. Vi os navios
               negreiros  trazendo  africanos  em  seus porões e homens embarcando o ouro para
               Portugal. Gigantes navios pareciam levitar nas águas agitadas do Oceano Atlântico:
               traziam sangue, armas, pessoas cansadas.
                       Vim dizer algo para você: esta carta não foi feita à toa. Quero lhe comunicar
               acontecimentos que ocorreram depois de seu tempo. A escravidão não existe mais
               desde o século XIX, porém o preconceito com as pessoas negras ainda continua. E
               nós,  negros  e  negras,  devemos  lutar  contra  a  ideia  de  que  os  brancos  são
               superiores aos demais e mostrar que a cor de pele não muda absolutamente nada.
               Somos todos seres humanos. No seu tempo, já houve resistência e isso contribuiu
               para  que,  no futuro, houvesse a luta pelo fim da escravidão. Havia os quilombos,
               para  os  quais  os  escravizados  fugiam  de seus senhores e estabeleciam vínculos
               comunitários,  procurando  traçar  planos  de  transformar  a  realidade. Os quilombos
               surgiram  por  toda  a  América  e,  em  geral,  eles  tinham  características  comuns,
               procurando  ficar  próximos  a  vilas  e  fazendas  para  que  seus  moradores
               conseguissem roubar utensílios ou alimentos. O quilombo dos Palmares, que existiu
               antes que você nascesse, durou muito tempo e foi um dos maiores da História, mas
               nem todos eram assim, podiam ser pequenos, tendo durado pouco.
                        O quilombo em que moro surgiu após o fim da escravidão. Temos danças,
               músicas,  uma  escola,  uma  loja  de  artesanato,  uma  biblioteca,  crianças  andando
               pelas ruas de terra… Não poderia deixar de falar da ótima feijoada, um tipo de feijão
               com pedaços de porco. Aqui, sinto o cheiro da terra, das comidas sendo feitas nas
               casas.  Os  sons  são  variados:  cachorros  latindo,  o  vento  batendo  na  mata,  as
               conversas  e  as  risadas  das  crianças  em  brincadeiras.  Tudo  poderia  ser  perfeito,
               mas  existem pessoas que não respeitam as nossas terras, querem pegá-las para
               explorar minérios, por exemplo. Isso me dá muito medo.





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