Page 78 - Fios do tempo
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Cairá Luara de Alumade (escravizada do século XVIII)

                       Olá,  meu nome é Cairá, moro em Paraty, uma terra tropical e quente, com
               muitas  florestas,  bem  diferente  de  onde  eu  morava  antes.  Não  tem  savanas,
               montanhas rochosas, e o clima é menos quente. Imagino que o ano seja 1700, até
               porque  ninguém  nos  diz  nada  onde  moro,  talvez  digam,  só  que  em  sua  língua
               estranha. Fui trazida para cá faz um tempo, acho que bastante, as minhas últimas
               memórias  de  minha  casa  me  fazem  sentir  tanta  saudade,  como  se  tivessem  se
               passado  anos  e  anos,  talvez  décadas, mas, uma coisa eu sei, eu tenho que sair
               desse lugar.
                       Aqui,  sou  agredida  todos  os  dias,  tenho  que  dormir  com  ratos,  que,
               provavelmente,  comem  melhor  que  eu.  Meu  alimento  é  composto  por  restos  de
               alimentos dos nobres da casa grande. Só quando eles não estão vendo, às vezes,
               conseguimos  roubar  frutas  e  legumes  das  plantações.  Caso  nos  vejam  fazendo
               isso, ficamos uma semana sem comer nada, além de ter que trabalhar por volta de
               dezessete horas por dia, sem pausas, e dormir em péssimas condições.
                       Sem falar da maneira que fui trazida até aqui, eu estava em minha terra, lá na
               África, até que, de repente, nossa vida mudou. Os portugueses, querendo aumentar
               o  lucro   de  seu  reino,  um  Estado  absolutista,  resolveram  nos  transformar  em
               escravizados. Levaram-nos para suas colônias para trabalharmos de forma forçada.
               Fui encaminhado para terras além do oceano Atlântico. Para isso, eu e outros do
               meu  povo  entramos  em  uma  grande  embarcação.  Ficamos  em  um  porão  sujo,
               comendo  uma  vez  por  semana  e  ficando  submetidos  a  contrair  doenças
               contagiosas.  Quando  cheguei  em  Paraty,  fui obrigado a caminhar até onde estou
               desde então.
                       Ouvi falar de pessoas que, escravizadas como eu, fogem da casa dos seus
               senhores e constroem uma vida nova. Elas são chamadas de quilombolas. Penso,
               às  vezes,  em  me  juntar  a  elas,  mas  tenho  muito  medo.  Poderia  ser  castigada
               publicamente, para servir de exemplo aos demais.
                       Eu  penso,  às  vezes,  no  futuro.  Será  que  vamos  conseguir  vencer  essa
               opressão, e virarmos seres humanos de verdade? Que sentido tem tudo isso? Só
               pela minha cor? E os meus sonhos, tudo o que eu sempre quis fazer? Será que eu
               vou ficar aqui para sempre?
                       São muitas perguntas, mas, ao menos por enquanto, nenhuma tem resposta.

                                           Ravi Mouawad Queiroga , Matheus Santos Tavares e Silva
                                                    Dominic Botelho Borges e  Pedro Melo de Almeida







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