Page 115 - Fios do tempo
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Paraty, 12 de agosto de 2025.
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                       Olá, meu nome é Livia Costa da Silva. Sou uma mulher negra que vive no
               Quilombo do Campinho, um quilombo que preserva a cultura de nossa terra natal e
               nossa história.
                       Por  meio  desta  carta,  vim  falar  que  viajei  do futuro até sua terra, pois, um
               estranho me ofereceu uma viagem com tempo curto ao século XVIII, mas teria que
               pagá-lo por isso. Quando cheguei, consegui vê-la trabalhando para um português e
               constatei  como  é  difícil  a  vida  do  escravizado.  Então,  decidi  te  seguir.  Vi  muitas
               pessoas  trabalhando  na  exportação  de ouro, era de dar dó. Você foi uma pessoa
               muito guerreira quando estava viajando e que sempre deu tudo de si, sem reclamar.
               Fiquei admirada com sua entrega mesmo sofrendo muito.
                       Vi  que  você  morava  numa  casinha  de  tijolo  aparente,  madeira  (em portas,
               janelas e estruturas), pedra (em pisos, fachadas), reboco e pintura em paredes junto
               com sua mãe Luiza Ferreira de 47 anos e seu pai Francisco de 49 anos. Sempre
               chorando à noite pelo que você estava passando, pois a condição em que os negros
               viviam eram precárias. O sofrimento não tirava sua beleza, sempre linda com seus
               cabelos cacheados e seus 1,42 de altura.
                       Nesse  tempo,  observei  que  você  era  muito  ligada  à  religião  de  matriz
               africana.
                       Nós admiramos muito nosso povo do passado, e vivemos no quilombo para
               tentar preservar essa cultura. Assim como anos atrás, para preservar nossa cultura,
               vivemos em casas de barro e madeira.
                       Sempre vivi aqui no quilombo, nunca saí daqui. Sinto que eu pertenço a este
               lugar, pois vocês derramaram muito sangue para que chegássemos até aqui.
                       Nosso  povo  conseguiu  o  acesso  à  educação.  Agora  como  os  brancos,
               podemos  estudar  e  sermos  o  que  queremos,  mesmo  o  povo  sendo  negro.  A
               escravidão também foi proibida, então avançamos muito em relação à diferença de
               pele no país em que nós fomos trazidos.
                       Em qualquer quilombo, incluindo no meu, nós preservamos a nossa religião: a
               matiz  africana,  nosso  espírito  que  vem  de  nossos  antepassados  de  outra  terra.
               Infelizmente,  estamos  sofrendo  com  a  discriminação  religiosa  que  está  presente
               nessa  sociedade,  muitas  vezes  as  pessoas  discrimanam  as  religões  de  matriz
               africana sem nem a conhecerem, como antigamente.
                       Hoje  em  dia,  aqui  no  quilombo,  temos  várias  festas  nas  quais  há   muita
               música, dança e comidas típicas. Sempre tem uma razão de acontecer, como, por
               exemplo,  a  grande festa na data em que nosso quilombo foi criado. Nossas danças
               levam um pouco da nossa cultura que veio da sua época.

                                                Bruno Martinelli Galante, Victor Quadrante Fernandes,
                                                       Gustavo W. F. Pimentel e Luigi E. M. Venturacci


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