Page 118 - Fios do tempo
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Paraty, 13 de fevereiro de 2025.
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                       Irmã, vim do futuro para dizer que a nossa luta continua no mesmo local em
               que  você  morou.  A  nossa  luta  contra  o  racismo  e  a  discriminção  de  anos  de
               escravidão ainda continua. Meu nome é Niara.
                       Hoje em dia, a palavra racismo foi criada para caracterizar atos que são feitos
               contra pessoas negras, devido à sua cor e sua raça.
                       Lembro-me  de  deitar  na  minha  cama  e  acordar  em  um  navio  chegando
               naquela cidade que eu mal reconheci. Era um sonho. Quando não acordei, senti um
               pressentimento.  O  fato  de  estar  presa  no  sonho  e  ver  o  sofrimento  de  meus
               antepassados  deixou-me  atordoada.  Segui  em  frente  e  lhe  encontrei,  tentei  me
               comunicar,  mas  nada  acontecia.  Eu  estava  invisível para as pessoas, embora eu
               enxergasse meu corpo.
                       Sobre meu mundo atual, só tenho algumas coisas a lhe dizer: sou professora
               que ensina pessoas a ler e escrever. Como eu gostaria de poder lhe dar aulas.
                       Eu consegui lhe ver, com suas roupas rasgadas, seu rosto sujo, e o seu jeito
               desajeitado de andar, consegui sentir sua dor, sem mesmo estar presente. Vi você
               desmaiar  enquanto  trabalhava,  e  sem  motivo  foi castigada, e mesmo assim você
               continua sendo uma pessoa forte.

                       Vivo agora em um quilombo, local para onde escravizados fugiam e ficavam
               para   se esconder de seus senhores. Hoje, os quilombos ainda existem, mas são
               lugares  onde os descendentes de escravizados criam laços comuns e estratégias
               de inserção na sociedade. Não há mais escravidão. Aqui, ainda há várias danças e
               comidas típicas da sua época.


                       Vi você naquela fazenda, varrendo a casa. Vi você se entristecer ao ver uma
               amiga ser agredida por um senhor da fazenda. Depois, voltei ao tempo presente. E
               hoje escrevi esta carta para que um dia, quem sabe, ela chegue até você.

                                                                                           Com carinho,

                                                                                             Niara Lunga





                                                    Luca de Oliveira C. Delmonte, Bernardo M. Freire,
                                                                      Davi A. Faleiro e Lucca R. Pagani







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