Page 49 - Fios do tempo
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setenta e dois anos, é rígida, mas é muito alegre e ensina-me a cultura ancestral
               dos africanos. Meu pai morreu de câncer quando eu tinha apenas cinco anos; então,
               tenho  poucas  memórias  dele.  As  pessoas  que  moram  comigo  têm  sobrenomes
               diferentes, alguns são do meu falecido pai, e outros da minha mãe.
                       Em minha rotina diária, durante a manhã, acordo e ajudo minha mãe a fazer
               o café da manhã de toda a família. Porém, antes vou à plantação colher milho, soja
               e  café.  Também  há  vezes  que  esses  alimentos  ainda  não  estão  prontos  para  a
               colheita.
                       Ainda nesse período, trabalho no centro histórico de Paraty, em uma lojinha,
               vendendo bolsas artesanais, que são extremamente lindas e vendidas em grande
               quantidade.  Eu  as   faço  com  diversas  cores  e  diversos  materiais  feitos  a  mão.
               Também trabalho na biblioteca do quilombo por algumas horas. Ela possui muitos
               livros  e  muitas  crianças  simpáticas  a  frequentam. Quando saio da biblioteca, vou
               para  a  faculdade.  À  noite,  ao  chegar  em  casa,  tomo meu banho e ajudo no que
               posso  no  preparo  da  janta  da  família,  e  dou  comida  aos  meus  dois  cachorros.
               Depois do jantar, brinco com meus irmão e, por fim, vou dormir. Minha rotina é muito
               corrida, mas eu gosto dela do jeito que é.
                       Essa  rotina  acontece  em  quatro  dias  da  semana.   Passo  o  dia  todo  no
               quilombo  nos  outros  dias,  fazendo  contação  de  histórias  na  parte  da  manhã  e,
               durante  a  tarde,  danço o jongo, faço meus rituais religiosos e, normalmente, faço
               pinturas  e  corridas.  Tenho  uma  câmera  fotográfica  e  adoro  tirar  fotos.  Eu  faço
               Pedagogia,  mas  meu  outro  sonho  é  ser  fotógrafa.  Por  fim,  janto  com  as minhas
               amigas,  que  conheci  assim  que  nasci,  pois  nossas  mães  se  conheceram  aqui
               mesmo, no quilombo. Eu acho muito interessante e incrível levarmos esse legado
               de amizade. Somos como uma família.
                       Eu tenho uma beleza que é um reflexo da minha própria história e força. As
               pessoas dizem e eu também acredito que meus traços são marcantes, eu possuo
               uma linda pele negra, que até brilha de tanta força que tive em minha perspectiva de
               vida.  Minha  pele  é  de  cor preta, mas tem um tom puxado para o marrom. Tenho
               olhos castanhos e cabelos cacheados e castanhos, de tamanho médio. Meu sorriso
               é sincero e confiante. Tenho uma pinta do lado direito da boca. Em minha opinião,
               acho ela muito bonita e me caracteriza muito como pessoa. Tenho uma sobrancelha
               nem tão fina, mas também nem tão grossa. Meus lábios são escuros, puxados para
               o tom do roxo. Meus cílios são enormes, eu adoro eles. Minha pele é bem hidratada
               com cremes feitos no quilombo, usando ervas a partir da aprendizagem de nossos
               costumes africanos.
                       Sou  extrovertida,  curiosa  e  divertida,  sempre  pronta  para  conhecer  novas
               pessoas, novas experiências e explorar o mundo ao meu redor. Muitos dizem que
               minha alegria é contagiante e que tenho uma energia que ilumina e alegra qualquer
               ambiente em que eu esteja. Sou extremamente forte e determinada na minha vida,
               sei que minha voz importa como pessoa e uso essa força para enfrentar desafios,
               construir amizades verdadeiras e alcançar meus maiores sonhos da vida.
                       As  minhas  crenças  e  valores  são  da  religião  de  matriz  africana,  que  tem
               conexão  com  a  força  vital  da  natureza  e  o  culto  aos  ancestrais.  Eu  acho


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