Page 56 - Fios do tempo
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cada  sentimento  se  transformando  em  angústia,  pois  sabia  que  era  algo  muito
               complicado escapar de tudo aquilo.
                       Ouvi, em um dos diálogos entre você e outros africanos, o seu nome: Ayana
               Saidi.  Ao saber de tudo isso por meio desta carta, você deve estar sentindo uma
               certa estranheza, pois na época em que você vive, tudo isso que os escravizados
               passam, é, de alguma forma, algo considerado normal.
                       Contudo,  na  realidade  de  hoje,  isso  é  totalmente  anormal,  só  de  escrever
               essa carta e lembrar de tudo que vi com os meus próprios olhos na época em que
               você  viveu,  eu  começo  a  chorar.  Mas  o  brilho  que  via  em  seus  olhos,  quando
               conseguia fazer coisas que gostava, me deixa feliz novamente.
                       Não  sei  se  sabe sobre os quilombos, pois quando estava ao seu lado não
               ouvi você falando sobre eles. Muitos pensam que eles eram somente uma forma de
               refúgio  para  os  negros  fugidos,  mas,  na  verdade,  eram  locais  de  resistência  e
               planejamento para livrar todos os escravizados de sua condição. Mesmo entre toda
               tristeza,  havia  esperança.  Os  quilombos  eram,  portanto,  agrupamentos  de
               escravizados,  que  se  juntavam  para  lutar  aos  poucos,  preservar  sua  cultura  e
               estabelecer vínculos comunitários, de ajuda mútua.
                       Acho que agora vale contar um pouco sobre mim, eu venho de um quilombo
               – mesmo que hoje em dia tudo tenha mudado, alguns quilombos ainda existem no
               Brasil  com  o  objetivo  de  sempre  relembrarem,  repassarem  e  ensinarem  sobre  a
               cultura negra. Sim, a sua cultura, que você tinha de abandonar, pois não era aceita
               pelos  senhores,  hoje  não  é  mais  proibida,  mas  sim  repassada  para  não  ser
               esquecida.  Na  atualidade,  temos  uma  lei  que  obriga  todas  as  escolas,  que  são
               locais  de  ensinamento  para  os  jovens,  a ensinarem a cultura afro-brasileira, para
               mostrar que, todo o Brasil que temos hoje foi formado principalmente pela cultura e
               contribuição geral dos negros escravizados. Ah, esqueci que você não sabe o que é
               Brasil. Depois que os moradores das terras colonizadas conseguiram se libertar do
               domínio português, formamos um país independente, que, hoje, tem esse nome.
                       Voltando para os quilombos, o que moro se chama “Quilombo do Campinho”
               e  foi  formado  depois  do  fim  da  escravidão,  por  três  ex-escravizadas  chamadas
               Antonica,  Marcelina  e  Luiza,  que   receberam  terras  doadas  pelos  seus  antigos
               senhores.  Ele  fica  no  mesmo  local  onde  vocês passaram todo aquele sofrimento
               calados sem poderem se erguer e lutar.
                       Mesmo após a lei da abolição da escravatura ter sido assinada em 1888, os
               traficantes  continuaram a comercializar os africanos para a prática da escravidão.
               Nos dias de hoje, nem ouvimos mais falar sobre a escravidão dos negros – o que foi
               uma  grande  conquista  e algo totalmente diferente do passado do “Brasil” em que
               você vive.
                       Hoje  em  dia,  infelizmente,  há  preconceito  e  desvalorização  de  pessoas
               negras,  somente  pelo  fato  de elas possuírem essa cor de pele. Isso é conhecido
               como racismo, sendo considerado um crime e pode levar o infrator a receber uma
               penalidade muito grande ou ser preso.
                       Eu  me  chamo  Makena  Yoruba,  sou  muito  alegre  e  espontânea,  gosto  de
               ajudar os que têm mais dificuldade de efetuar atividades do dia a dia no geral, como


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