Page 58 - Fios do tempo
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negros foram fracos e preguiçosos em nosso país, onde, na verdade, a história do
               negro, simbolizou luta e organização.
                       A  minha  religião  segue  as  matrizes  africanas  dos  meus  antepassados.
               Respeito  outras  religiões  e  tenho  muita  vontade  de  conhecê-las  melhor.  No
               Quilombo do Campinho, as pessoas têm diferentes religiões. Quando posso, peço
               para  as  pessoas,  que têm crenças diferentes da minha, me ensinarem um pouco
               sobre as suas crenças.
                       Essa  diferença  de  hoje  para  a  sua  época  é  muito  grande,  e,  mesmo  não
               podendo falar e nem ser vista por ninguém, quando fui transportada para o passado,
               eu me senti extremamente culpada de não ter sido capaz de fazer nada contra tudo
               que ocorria bem em minha frente. Se fosse nos dias de hoje, todos que impunham o
               regime escravista, seriam presos e punidos.
                       Mas  ainda  hoje  há  muito  racismo  espalhado  pelo  mundo  inteiro  –  isso  é,
               basicamente, um preconceito contra a raça das pessoas, principalmente voltado aos
               afrodescendentes,  pois  essa  grande  hierarquia  em  relação  à  cor  de  pele  e
               desvalorização das pessoas negras está enraizada na história de nosso país.
                       Eu mesma já sofri muito racismo de pessoas sem noção da realidade e do
               respeito ao próximo; um episódio de racismo que me marcou muito foi quando um
               turista americano branco olhou com nojo para a nossa loja de bolsas e disse “Eu
               não  vou  entrar  nessa  loja  de  gente  suja”.  Por  causa  disso,  fiquei  vários  dias
               pensando que eu nunca seria eficiente como as pessoas brancas, mas consegui me
               recuperar  dessa  situação.  Também  vejo  as  outras  pessoas  do  meu  quilombo
               sofrendo  bastante  com  isso.  Porém,  todos  seguimos  fortes e lutando contra tudo
               que tenha relação com esses preconceitos.
                       A nossa população negra é a mais desvalorizada e vulnerável do Brasil, mas,
               aos poucos, estamos conseguindo conquistar mais direitos, que são o resultado da
               nossa  incansável  luta  que  percorre  séculos.  Um  fator  onde  podemos  enxergar,
               nitidamente, esse racismo na estrutura de nosso país (racismo estrutural) é a renda
               média  de  um  brasileiro  negro  atualmente  que,  é  de  R$  1.608,00,  enquanto  a
               população branca recebe, em média, R$ 2.796,00; ou seja, é uma enorme diferença
               que, só por ser observada, já nos mostra a realidade triste dos negros no Brasil de
               hoje.
                       Dentro de nosso país sempre houve uma desigualdade de gênero – isto é,
               quando há a ideia de uma superioridade dos homens em relação às mulheres. Foi
               muito difícil para as mulheres conseguirem espaço na sociedade, pois, a população,
               no passado (e uma grande parte da população de hoje em dia também), remetia as
               mulheres à fraqueza, trabalho doméstico, sem participação em áreas políticas, entre
               outras.
                       Mas diante de tudo isso, a maior luta foi das mulheres negras atrás de seus
               direitos, pois além de sofrerem racismo, também havia a questão da desigualdade
               de  gênero – nós, mulheres negras que sempre sofremos com um pouco de tudo,
               podemos  mostrar  e  observar  essa  nítida  desigualdade  através  das  eleições
               políticas:  em  2022,  as  mulheres  negras  representavam  apenas  8%  de  todos  os
               eleitos,  o  que  é  muito  baixo.  Também  nesse  mesmo  ano,  a taxa de estupros no


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