Page 57 - Fios do tempo
P. 57

idosos  e  crianças  pequenas.  Sempre que posso, também faço diversos trabalhos
               voluntários  lá  no  meu  quilombo.  Trabalho  vendendo  bolsas  e  vários  objetos
               artesanais no centro de Paraty. Ganho uma boa renda com isso. No final da tarde,
               eu ajudo na biblioteca do meu quilombo.
                       Já que não pôde me ver quando lhe visitei, vou falar sobre a minha aparência
               para você. Eu tenho brilhantes olhos castanhos, cabelos pretos cacheados e uma
               pinta ao lado esquerdo dos meus lábios. As pessoas costumam dizer que eu tenho
               um brilho, que reflete a força que tenho – e isso me define como pessoa.
                       Hoje em dia, nós, negros, ainda não temos todos os direitos com a mesma
               intensidade  dos  direitos dos brancos; mas, com muita luta, conseguimos diversas
               conquistas e, ainda estamos tentando subir ao topo dessa cadeia hierárquica cada
               vez  mais.  Temos  acesso ao estudo em escolas e faculdades, que são locais que
               fazem ensino superior aos das escolas, ou seja, quando um jovem termina a escola,
               ele  tem  a  opção  de  fazer  faculdade;  elas  dão  cursos  específicos  para  o  que  a
               pessoa  quer  fazer  na  vida  dela.  Eu  já  terminei  a  escola  e a faculdade há algum
               tempo.  O  curso  que  fiz  foi  o  de  pedagogia,  para  trabalhar  como  ensinadora nas
               escolas, além dos meus trabalhos na biblioteca e na loja de artesanatos, eu trabalho
               como professora em uma escola local aqui no quilombo.
                       Um livro feito nos dias de hoje que reflete tudo por trás da nossa história é “O
               negro  no  Brasil  de  hoje”.  A conscientização que ele transmite para as pessoas é
               surreal; ao ler, me senti um pouco envergonhada de não saber tudo aquilo, pois é a
               história do meu povo.
                       Ele mostra muito a nossa realidade, e também, diversas informações sobre o
               que vocês, escravizados, passavam em seu cotidiano. Acabei de ler esse livro uma
               semana antes de ser transportada ao seu tempo; além de ter entrado em choque
               por ver tudo que vocês passam, automaticamente, várias cenas me remeteram ao
               livro – o que me fez entrar em maior estado de choque ainda maior, pois, como era
               possível  os  escritores  dessa  obra  saberem  tanto  sobre  um  época  que  eles  nem
               viveram?  Daí  lembrei  das  minhas  aulas  de  História  em  que  aprendemos  que  os
               historiadores  usam  os  vestígios  que  vocês  deixaram  para  descobrirem  sobre  o
               passado. Você também é autora do livro, pois graças ao que deixou para nós, os
               escritores puderam publicar o livro.
                       Já lhe contei um pouco sobre a lei que faz com que o ensino sobre a história
               dos  negros  seja  obrigatório  nas escolas. Quando tive que ensinar sobre isso aos
               meus alunos, usei, como material oficial dessa matéria, o livro “O negro no Brasil de
               hoje”. Ainda não acabamos esse tema. A parte que estou lendo com meus alunos
               fala sobre coisas que a história escrita pelos europeus não mostra sobre nós.
                       Ainda assim, algumas escolas não ensinam muito sobre toda essa extensa
               história. O desconhecimento da maioria da população brasileira sobre a cultura de
               nosso  povo  e  a  ideia  de  que  no  Brasil  não  há  racismo,  fazem  as  pessoas
               acreditarem  que  os  negros  não  reagiram  contra  a  escravidão  e  que  sua  história
               significou  apenas passividade e apatia. Mas, de acordo com o livro, nada disso é
               verídico.  Esses  pensamentos  errados  fazem  nossa  sociedade  acreditar  que  os




                                                                                                        57
   52   53   54   55   56   57   58   59   60   61   62