Page 42 - Fios do tempo
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Paraty, 20 de setembro de 2025.
Prezada Daniele,
Olá, Daniele, como você está?
Eu fico imaginando o que você está vivendo agora e como somos diferentes.
Apesar da nossa cor em comum, o seu passado é o meu presente. Muita coisa
mudou.
Já não sofremos mais as dores dos castigos que os senhores de
escravizados praticavam, o que é a sua realidade neste instante.
Estive no passado e acompanhei a sua rotina.
Pelo o que eu sei de você, desde que foi separada de sua família e amigos e
vendida como uma mercadoria, fica difícil manter sua vida com dignidade.
Neste ponto, pouco nos separa.
Aqui, no presente todo negro ainda sofre para manter sua dignidade.
Algumas coisas não mudam. Pelo fato de sermos negros, somos inferiorizados na
sociedade. Os negros percebem isso no olhar, nas conversas, nos salários, nas
oportunidades de emprego e educação. Mas nem todos os brancos notam essa
situação, que chamamos de racismo estrutural.
Sei que você pode estar pensando que isto não é nada. Afinal, não há mais
escravidão e você não teve a possibilidade de possuir um trabalho remunerado e a
serviços públicos de saúde e educação. Por isso que as tradições africanas são tão
importantes e preservadas por vocês, não é?
Só assim vocês podem se lembrar de onde vieram e sentir que são parte da
humanidade. Vi vocês cantarem música africana no silêncio da noite, quando todos
se reúnem na senzala, depois de mais um dia de muito trabalho.
Com amor e esperança de nosso encontro,
Cirlene Eto’o.
Miguel Isaac Santos e Benicio Santiago Barboza
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