Page 85 - Fios do tempo
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Abayomi Akello (escravizada do século XVIII)

                       Meu nome é Abayomi Akello, e tenho cinquenta e quatro anos. Nasci dia 30
               de março de 1728. Sou uma escravizada do século XVIII.
                       Eu tenho uma pele escura, meus olhos são grandes e escuros, é um marrom
               cor de chocolate amargo, meu cílios são grandes e alongados, em minha pele há
               algumas rugas, minha boca é grande e um vermelho forte, cor de cereja. Meu nariz
               é  largo  e  grande.  Meu  cabelo  é  armado,  e  possuo  alguns  fios  brancos,  daqui  a
               pouco vou ter muito mais. Minhas sobrancelhas são grossas e pretas.
                       Eu fui trazida para Paraty quando eu tinha mais ou menos oito anos. Vim com
               a minha mãe, que tinha vinte e seis anos, não lembro muito bem dela. Recordo que
               ela estava comigo no navio negreiro, no qual nós fomos trazidas do Congo. Não me
               lembro do meu pai, acho que nunca conheci ele.
                        Mas minha mãe morreu depois de trinta e sete dias dentro da embarcação,
               por causa das condições precárias, e das doenças que se espalharam por lá.
                         Quando  cheguei  na  colônia  portuguesa,  fui  comprada  por  uma família de
               portugueses e, depois de nove anos, fui para a casa em que estou até hoje.
                       Eu  me  apaixonei  por  um escravo, chamado Akin, ele era forte, sua família
               veio da África também, sua mãe sobreviveu à navegação, e está viva, mas seu pai
               morreu lutando contra as pessoas que nos traziam para cá.
                        Eu tenho cinco filhos com ele, quatro meninas e um menino. As meninas têm
               as seguintes idades: dez anos, doze anos, vinte e três anos e vinte e sete anos. O
               menino tem trinta e dois anos. Todos eles trabalham. Às vezes, deixo de comer para
               dar  alimento  para  eles,  já  passei  cinco  noites  seguidas  sem  colocar  qualquer
               alimento na boca.
                       O amor da minha vida morreu, por conta das doenças que tem na senzala
               em  que  dormimos,  com  quarenta  e  sete  anos,  um  mês  depois  da  nossa  caçula
               nascer. Sua mãe ainda está viva, mas está com alguma doença, e parece que logo
               irá falecer, não consegue mais ver, ouvir, falar ou se mexer.
                       Eu e minha mãe fomos trazidas do Congo. Todo dia, quando pedíamos mais
               comida  ou  falávamos  alto,  havia  funcionários  do  rei  de  Portugal  que  batiam  na
               gente,  eu  não  lembro  quem  eram  eles,  mas,  mais  velha,  descobri  que  eram
               portugueses.
                       Para me alegrar, minha mãe fez uma boneca chamada Abayomi, para passar
               o tempo mais rápido, ela fez com pedaços recortados de suas próprias vestimentas.
                       Nós  comíamos  uma  vez  por  dia,  e  eu  sempre  tinha  muita  fome,  pois  era
               criança  em  fase  de crescimento, lembro que minha mãe passou muitos dias sem
               comer para me deixar com a barriga cheia.
                       Lá, as condições eram terríveis, havia centenas de pessoas amontoadas com
               pouco fluxo de ar e falta de higiene, eu lembro do estado que ficava aquilo, o cheiro
               era o pior que já senti e o sentimento de todas as pessoas me consumia.
                       Muitas  pessoas  morreram,  por  disenteria,  varíola,  depressão  e  desespero
               absoluto.  Minha  mãe,  por  exemplo,  morreu  de  disenteria,  eu  lembro  exatamente
               como  foi.  Minha  mãe  tinha  ficado  mal  toda  a  viagem,  desde  o  dia  em  que  nós


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